Pierrô e Colombina

Todo ano era a mesma coisa. Só desejava adormecer e retornar quando se restabelecesse a normalidade. Afogada em livros e filmes, mantinha distância do mundo carnavalesco e de todos aqueles que o amassem mais que a si mesmos. Preferia limonada à cerveja e um bom sono a qualquer movimento corporal que lembrasse dança. Foi capaz até de jurar que mudaria para a Argentina. Ou Londres. Ou um universo paralelo e triste em que não existisse carnaval. Mas tinha um segredo. O trio Pierrô, Colombina e Arlequim amoleciam seu coração.

Do outro lado da cidade, como em todo ano, havia o frevo das sombrinhas coloridas, a chuva de confetes e serpentinas, os beijos eufóricos e cheios de calor festivo. Atmosfera repleta de diversidade compartilhada em um trecho urbano qualquer. E ele, que prezava a intensidade e rapidez das coisas e tinha o carnaval como a festa que mais lhe fazia gosto. Em quatro dias podia ser despreocupado como em nenhuma época do ano. Além do que, todos os seus pecados, por pacto social, eram sempre esquecidos e infinitamente perdoados. Mas também tinha um segredo. Queria abandonar a folia.

E como sempre alertam os avós, o destino é um bicho bem traiçoeiro às vezes.

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Três gelos e um segundo

Olhou fixamente num ponto e desatou a falar. Queria resolver tudo de uma vez, não aguentava mais toda a angústia de reprimir seus sentimentos e opiniões e desgostos e mais todas aquelas coisas que ele não sabia explicar, mas sentia intensamente por ela.

– Eu sei que disse que não me envolveria… Tentei, mas tô cansado de fugir de mim mesmo. Sei lá… mas eu diria assim, que apesar de tudo, esse meu carinho, estranho e pouco nítido, na verdade, sabe, é todo pra você.

Silêncio.

– Olha, eu devia ter falado antes. Não pense que quero confundi-la ou enganá-la. Eu… eu… não parece, mas…

Silêncio.

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