Todo ano era a mesma coisa. Só desejava adormecer e retornar quando se restabelecesse a normalidade. Afogada em livros e filmes, mantinha distância do mundo carnavalesco e de todos aqueles que o amassem mais que a si mesmos. Preferia limonada à cerveja e um bom sono a qualquer movimento corporal que lembrasse dança. Foi capaz até de jurar que mudaria para a Argentina. Ou Londres. Ou um universo paralelo e triste em que não existisse carnaval. Mas tinha um segredo. O trio Pierrô, Colombina e Arlequim amoleciam seu coração.
Do outro lado da cidade, como em todo ano, havia o frevo das sombrinhas coloridas, a chuva de confetes e serpentinas, os beijos eufóricos e cheios de calor festivo. Atmosfera repleta de diversidade compartilhada em um trecho urbano qualquer. E ele, que prezava a intensidade e rapidez das coisas e tinha o carnaval como a festa que mais lhe fazia gosto. Em quatro dias podia ser despreocupado como em nenhuma época do ano. Além do que, todos os seus pecados, por pacto social, eram sempre esquecidos e infinitamente perdoados. Mas também tinha um segredo. Queria abandonar a folia.
E como sempre alertam os avós, o destino é um bicho bem traiçoeiro às vezes.