1.
Há dois anos Patrícia falava sobre as mesmas decepções com o psicólogo. Sobre as dores que não curavam, mas que, também, não doíam. Até que um lampejo de lucidez a pegou de surpresa na saída da terapia numa segunda-feira cinza e morna e ela indagou-se:
Será que a dor se fez parte de mim a ponto de ser doloroso livrar-se dela?
***
2.
Clara e Lola, amigas inseparáveis desde a escola, conversavam sobre o almoço do dia, quando Clara interrompeu o assunto com um desabafo:
– Sinto-me triste! Já chorei tanto hoje, mesmo sem querer, o que faço para superar, Lola?
– Não sei, queria chorar como você, sentir alguma coisa, mas continuo a sentir nada sobre a vida. – respondeu. Vamos almoçar no chinês? Lá a gente conversa melhor. – devolveu para Clara, que nem percebeu e perguntou de novo:
– O mais triste é aquele que sente tristeza ou quem não a sente, Lola?
Com olhos estáticos, Lola engoliu a seco a verdade e perdeu a fome.
***
3.
Esperou ele fechar a porta e ficou ali olhando a TV desligada, enquanto aceitava o fim de mais um relacionamento. Tinha se conformado em viver histórias que não davam certo, mas, apesar da falta de protestos, sempre ficava com uma dúvida que lhe imprimia a certeza de que a situação ia se repetir:
Quando meu coração sarar, vou ter mais coração ou cicatriz?