Tristes Dúvidas

1.

Há dois anos Patrícia falava sobre as mesmas decepções com o psicólogo. Sobre as dores que não curavam, mas que, também, não doíam. Até que um lampejo de lucidez a pegou de surpresa na saída da terapia numa segunda-feira cinza e morna e ela indagou-se:

Será que a dor se fez parte de mim a ponto de ser doloroso livrar-se dela?

***

2.

Clara e Lola, amigas inseparáveis desde a escola, conversavam sobre o almoço do dia, quando Clara interrompeu o assunto com um desabafo:

– Sinto-me triste! Já chorei tanto hoje, mesmo sem querer, o que faço para superar, Lola?

– Não sei, queria chorar como você, sentir alguma coisa, mas continuo a sentir nada sobre a vida. – respondeu. Vamos almoçar no chinês? Lá a gente conversa melhor. – devolveu para Clara, que nem percebeu e perguntou de novo:

– O mais triste é aquele que sente tristeza ou quem não a sente, Lola?

Com olhos estáticos, Lola engoliu a seco a verdade e perdeu a fome.

***

3.

Esperou ele fechar a porta e ficou ali olhando a TV desligada, enquanto aceitava o fim de mais um relacionamento. Tinha se conformado em viver histórias que não davam certo, mas, apesar da falta de protestos, sempre ficava com uma dúvida que lhe imprimia a certeza de que a situação ia se repetir:

Quando meu coração sarar, vou ter mais coração ou cicatriz?

Pierrô e Colombina

Todo ano era a mesma coisa. Só desejava adormecer e retornar quando se restabelecesse a normalidade. Afogada em livros e filmes, mantinha distância do mundo carnavalesco e de todos aqueles que o amassem mais que a si mesmos. Preferia limonada à cerveja e um bom sono a qualquer movimento corporal que lembrasse dança. Foi capaz até de jurar que mudaria para a Argentina. Ou Londres. Ou um universo paralelo e triste em que não existisse carnaval. Mas tinha um segredo. O trio Pierrô, Colombina e Arlequim amoleciam seu coração.

Do outro lado da cidade, como em todo ano, havia o frevo das sombrinhas coloridas, a chuva de confetes e serpentinas, os beijos eufóricos e cheios de calor festivo. Atmosfera repleta de diversidade compartilhada em um trecho urbano qualquer. E ele, que prezava a intensidade e rapidez das coisas e tinha o carnaval como a festa que mais lhe fazia gosto. Em quatro dias podia ser despreocupado como em nenhuma época do ano. Além do que, todos os seus pecados, por pacto social, eram sempre esquecidos e infinitamente perdoados. Mas também tinha um segredo. Queria abandonar a folia.

E como sempre alertam os avós, o destino é um bicho bem traiçoeiro às vezes.

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