Três gelos e um segundo

Olhou fixamente num ponto e desatou a falar. Queria resolver tudo de uma vez, não aguentava mais toda a angústia de reprimir seus sentimentos e opiniões e desgostos e mais todas aquelas coisas que ele não sabia explicar, mas sentia intensamente por ela.

– Eu sei que disse que não me envolveria… Tentei, mas tô cansado de fugir de mim mesmo. Sei lá… mas eu diria assim, que apesar de tudo, esse meu carinho, estranho e pouco nítido, na verdade, sabe, é todo pra você.

Silêncio.

– Olha, eu devia ter falado antes. Não pense que quero confundi-la ou enganá-la. Eu… eu… não parece, mas…

Silêncio.

– Eu amo você. Não, espere! Amo de verdade, por isso fugi. É incomum meu comportamento, admito. Mas eu te amo e não sabia lidar com isso. Era mais fácil como sempre foi, você me assustou com toda a sua convicção de que a vida é melhor quando estabelecemos um foco.

Mais uma vez, silêncio.

Sentiu um aperto que demonstrava, ao mesmo tempo, a certeza de que confessar tudo era o correto e, também, uma vergonha imensa de parecer tão idiota ao se declarar. Era declaração?, perguntou-se.

Não acreditava em amor, achava que podia viver com alguém bons momentos, mas amor? Para ele sempre foi história que sua vó contava, nada que atingisse o real. Não tivera decepções, somente gostava do que era efêmero, porque foi a primeira palavra difícil que aprendera na vida.

Mas com ela, que tinha a sombra mais linda sob o sol e que corava ao falar em público, sentiu que o sabor da Coca-Cola poderia ser mais gostoso sem o limão. Nunca tomava Coca sem limão e três cubos de gelo, mas no dia em que a conheceu, esquecera de lembrar suas preferências ao garçom. Poderia ter tomado chá verde, que seria bom. Pela primeira vez em sua vida, aos 21 anos, olhara com o coração para alguém. E o bar que ele considerava meio decadente pareceu-lhe o melhor da cidade.

Era récem-chegada ao bairro. E veio para competir com os bem-te-vis e as flores brancas do jardim da casa de Dona Cecília, moradora mais antiga do lugar.

Desde então, sua vida tinha gosto. Porque, de algum modo que ele nunca sabia teorizar, queria mudar um pouco os seus dias. Só para acompanhá-la no trajeto diário pelas calçadas de mosaico de sua rua. Mas o costume desapegado o empurrava para longe da moça ruiva, de pés pequenos cobertos com sapato-boneca, e ele achava que era melhor assim.

– Você quer que eu assuma? Pronto, sou covarde. Não consigo falar tudo assim, na cara das pessoas, como você sempre faz, com uma naturalidade que não existe. Até existe, mas só em você.

E a medida que falava e o silêncio seguia, se questionava se devia continuar com aquilo. “Por que me deixei levar por isso? Eu podia controlar, não podia?”, pensava. Cedia a ilusões facilmente, pois não podia controlar absolutamente nada. Não queria controlar.

Silêncio.

– E agora? O que você tem pra me dizer?

Longos minutos se passaram. E, olhando para o espelho desafiador, decidiu que precisava ir atrás dela e falar tudo aquilo.

Correu como nunca até a casa da moça ruiva com cheiro de canela, mas deparou-se somente com uma placa de vende-se. Como conversava pouco com os vizinhos, não sabia o que acontecia a sua volta. Procurou, então, Dona Cecília.

– Ah, meu filho! Foi embora, como vão todas as moças quando encontram alguém que as encoraje…

Decidiu que precisava urgentemente aprender o significado prático de “encorajar“, mas pelo que Dona Cecília dissera, não era coisa de se aprender em frente ao espelho. Tentaria descobrir no bar meio decadente, com um pouco de vodka… não mais Coca-Cola com limão.

8 pensamentos sobre “Três gelos e um segundo

  1. Lembrei-me de uma boa música ao ler seu texto:

    “Venha, meu amigo
    Deixe esse regaço
    Brinque com meu fogo
    Venha se queimar
    Faça como eu digo
    Faça como eu faço
    Aja duas vezes antes de pensar”

  2. Uma vez meu amigo Padilha disse em um texto meu que não se podia negar o poder místico que as ruivas têm.

    Eu concordo, ah, se concordo…

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